domingo, 31 de julho de 2011

O parágrafo e sua extensão

Ainda em Othon M. Garcia que cita Francis Trainor:

“Como unidade de composição "suficientemente ampla para conter um processo completo de raciocínio e suficientemente curta para nos permitir a análise dos componentes desse processo, na medida em que contribuem para a tarefa da comunicação"

Ouço diariamente meus alunos me questionarem quanto a quantidade ideal de linhas para cada parágrafo. Ora, se cada parágrafo é um conjunto de ideias que se associam para tratar de uma ideia central, não é relevante preocupar-se com a quantidade de linhas, mas sim com a completude e coerência com que esta ideia é tratada no interior daquele parágrafo e sua associação com o restante do texto. Então é possível termos parágrafo de apenas uma linha e parágrafos que ocupem páginas inteiras, o que importa é a qualidade de sua construção.

 A extensão de cada parágrafo dependerá, portanto, da divisão que o autor deseja dar à seu texto. As ideias mais complexas podem precisar ser desdobradas em mais de um parágrafo de acordo com a lógica que autor deseja imprimir ao texto como um todo.

Um belo exemplo de texto que não considerou estes conceitos lógicos para construção de cada parágrafo, mas sim se deteve à idiossincrasias pessoais é o que vem a seguir:
Estávamos em plena seca.
Amanhecia. Um crepúsculo fulvo alumiava a terra com a claridade de um incêndio ao longe.
A pretidão da noite esmaecia. Já começava  a se individualizar   o   contorno  da  floresta,   a   silhueta   das   montanhas ao longe.
A luz foi pouco a pouco tornando-se mais viva.
No oriente assomou o Sol, sem nuvens que lhe velassem o disco. Parecia uma brasa, uma esfera candente, suspensa no horizonte, vista através da ramaria seca das árvores.
A floresta completamente despida, nua, somente esqueletos negros, tendo na fímbria aceso o facho que a incendiou, era de uma eloqüência trágica!
Amanhecia, e não se ouvia o trinado de uma ave, o zumbir de um inseto!
Reinava o silêncio das coisas mortas.
Como manifestação da vida percebiam-se os gemidos do gado, na agonia da fome, o crocitar   dos    urubus    nas carniças.

(Rodolfo Teófilo, in Nova antologia brasileira, de Clóvis Monteiro, p. 85)

Antes de comentarmos este texto é preciso elucidar sobre a diferença da ideia núcleo nos principais tipos textuais:

  • Na dissertação e de argumentação é uma determinada idéia;
  • Na narração é um incidente (episódio curto);
  • Na descrição é ou deve ser um quadro, um fragmento de paisagem ou ambiente num determinado instante, entrevisto de determinada perspectiva.

O texto que tomamos como exemplo é, certamente, um texto descrito e seu quadro é o amanhecer, portanto essas dez linhas deveriam compor um único parágrafo. Entretanto, o autor opta por fragmentar a paisagem a fim de atribuir realce às ideias correlatas ao amanhecer como é o cambiar de cores e luzes (crepúsculo fulvo, claridade de incêndio, pretidão da noite, luz mais viva, assomo de Sol, ausência de nuvens) e o delinear-se gradativo do perfil da paisagem (contorno da floresta, silhueta das montanhas, ramaria seca das árvores).

Vemos, portanto, que a extensão do parágrafo não se justifica apenas pelo desenvolvimento do núcleo de uma ideia, mas também a perspectiva que o autor tem em relação as possibilidades de interpretação do leitor.

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