domingo, 31 de julho de 2011

O desenvolvimento do parágrafo

Agora que já esclarecemos como introduzir o parágrafo através do tópico frasal, vejamos como desenvolvê-lo.

O desenvolvimento se dará de acordo com as veredas que o autor deseja fundamentar seu texto. E serão estas veredas que ensejarão as afirmativas, os exemplos, as descrições, as comparações, as analogias, os depoimentos etc.

Os exemplos acerca do desenvolvimento do parágrafo está assim descrito em Comunicação em Prosa Moderna:

 1 - Enumeração ou descrição de detalhes

O desenvolvimento por enumeração ou descrição de detalhes é dos mais comuns. Ocorre de preferência quando há tópico frasal inicial explícito, como no exemplo já citado de Aluísio Azevedo (2. Voe., 2.0):

 Tópico frasal

 Era um dia abafadiço e aborrecido. A pobre cidade de São Luís do Maranhão parecia entorpecida pelo calor.  Quase

Desenvolvimento

que se não podia sair à rua: as pedras escaldavam; as vidraças e os lampiões falseavam ao sol como enormes diamantes; as paredes tinham reverberações de prata polida; as folhas das árvores nem se mexiam; as carroças d'água passavam ruidosamente a todo o instante, abalando os prédios; e os aguadeiros, em mangas de camisa e pernas [calças] arregaçadas, invadiam sem cerimônia as casas para encher as banheiras e os potes. Em certos pontos não se encontrava viva alma na rua; tudo estava concentrado, adormecido; só os pretos faziam as compras para o jantar, ou andavam no ganho.

É um parágrafo descritivo bastante bom. Note-se a idéia-núcleo, expressa no tópico frasal inicial (em itálico) e desenvolvida ou especificada através dos pormenores: as pedras, os lampiões, as paredes, as folhas, etc. São detalhes que tornam mais viva a generalização "era um dia abafadiço e aborrecido". (O trecho pode servir de modelo para exercícios do mesmo gênero: basta mudar o quadro da descrição e seguir o mesmo processo de desenvolvimento.)



2 - Confronto

Processo muito comum e muito eficaz de desenvolvimento é o que consiste em estabelecer confronto entre idéias, seres, coisas, fatos ou fenômenos. Suas formas habituais são o contraste (ba­seado nas dessemelhanças), e o paralelo (que se assenta nas se­melhanças). A antítese é, de preferência, uma oposição entre idéias isoladas. A analogia, que também faz parte dessa classe, baseia-se na semelhança entre idéias ou coisas, procurando explicar o des­conhecido pelo conhecido, o estranho pelo familiar (ver 2.3, a seguir).

Exemplo clássico de desenvolvimento por confronto e contras­te é o paralelo que A. F. de Castilho faz entre Vieira e Bernardes:

Lendo-os com atenção, sente-se que Vieira, ainda falando do céu, tinha os olhos nos seus ouvintes; Bernardes, ainda falando das criaturas, estava absorto no Criador. Vieira vivia para fora, para a cidade, para a corte, para o mundo, e Ber­nardes para a cela, para si, para o seu coração. Vieira estudava graças a louçainhas de estilo (...); Bernardes era como essas formosas de seu natural que se não cansarii com alinhamentos (...) Vieira fazia a eloqüência; a poesia procurava a Bernardes. Em Vieira morava o gênio; em Bernardes, o amor, que, em sendo verdadeiro, é também gênio (...).

(Apud Fausto Barreto e Carlos de Laet, Antologia nacional, p. 186)

É um parágrafo sem tópico frasal explícito, pois a idéia-núcleo é o próprio confronto entre Vieira e Bernardes. O Autor poderia iniciar o parágrafo com um tópico frasal mais ou menos nestes termos: "Vejamos o que distingue Vieira de Bernardes" ou "Muito diferentes (ou muito parecidos) são Vieira e Bernardes". Mas seria inteiramente supérfluo, pois essa idéia está clara no desenvolvi¬mento.

Exemplo, também muito conhecido, de parágrafo com desenvolvimento por contraste é o de Rui Barbosa sobre política e politicalha:

Política e politicalha não se confundem, não se parecem, não se relacionam uma com a outra. Antes se negam, se excluem, se repulsam mutuamente (tópico frasal). A política é a arte de gerir o Estado, segundo princípios definidos, regras morais, leis escritas, ou tradições respeitáveis. A politicalha é a indústria de o explorar a benefício de interesses pessoais. Constitui a política uma função, ou conjunto das funções do organismo nacional: é o exercício normal das forças de uma nação consciente e senhora de si mesma. A politicalha, pelo contrário, é o envenenamento crônico dos povos negligentes e viciosos pela contaminação de parasitas inexoráveis. A política é a higiene dos países moralmente sadios. A politicalha, a malária dos povos de moralidade estragada.”

(Apud Luís Vianna Filho, op. cit., p. 32)

Vê-se logo pelo tópico frasal que se trata de um contraste, e não propriamente de um paralelo ou confronto (como no exemplo de Castilho), pois o que o Autor ressalta entre política e politicalha é o seu antagonismo e não a sua identidade. Ora, o valor do contraste — de que a antítese é a figura típica — reside precisamente na sua capacidade de realçar certas idéias, pela simples oposição a outras, contrárias.



3 – Analogia e comparação

A analogia é uma semelhança parcial que sugere uma semelhança oculta, mais completa. Na comparação, as semelhanças são reais, sensíveis, expressas numa forma verbal própria, em que entram normalmente os chamados conectivos de comparação (tão, tanto, como, do que, tal qual), substituídos, às vezes, por expressões equivalentes (certos verbos como “parecer”, “lembrar”, “dar uma idéia”, “assemelhar-se”: “Esta casa parece um forno, de tão quente que é.”). Na analogia, as semelhanças são apenas imaginárias. Por meio dela, se tenta explicar o desconhecido pelo conhecido, o que nos é estranho pelo que nos é familiar; por isso, tem grande valor didático. Sua estrutura gramatical inclui com frequência expressões próprias da comparação (como, tal qual, semelhante a, parecido com, etc. Rever 1. Fr., 1.6.8). Para dar à criança uma idéia do que é o Sol como fonte de calor, observe-se o processo analógico adotado pelo Autor do seguinte trecho:

“O Sol é muitíssimo maior do que a Terra, e está ainda tão quente que é como uma enorme bola incandescente, que inunda o espaço em torno com luz e calor. Nós aqui na Terra não poderíamos passar muito tempo sem a luz e o calor que nos vêm do Sol, apesar de sabermos produzir aqui mesmo tanto luz como calor. Realmente podemos acender uma fogueira para obtermos luz e calor. Mas a madeira que usamos veio de árvores, e as plantas não podem viver sem luz. Assim, se temos lenha, é porque a luz do Sol tornou possível o crescimento das florestas.”

(Oswaldo Frota Pessoa, Iniciação à ciência, p. 35)

Sol tão quente, que é como uma enorme bola incandescente é, quanto à forma, uma comparação, mas, em essência, é uma analogia: tenta-se explicar o desconhecido (Sol) pelo conhecido (bola incandescente), sendo a semelhança apenas parcial (há outras, enormes, diferenças entre o Sole uma bola de fogo).

No seguinte trecho, de Rui Barbosa, não há, legiti­mamente, analogia nem comparação, nem contraste mas simples paralelo ou confronto:

“Oração e trabalho são os recursos mais poderosos na criação moral do ho­mem. A oração é o íntimo sublimar-se da alma pelo contato com Deus. O trabalho é o inteirar, o desenvolver, o apurar das energias do corpo e do espírito, mediante a ação contínua sobre si mesmos e sobre o mundo onde labutamos.”

(Antologia nacional, p. 128)

Não há comparação porque lhe falta a estrutura gramatical peculiar (como, parece, semelha, etc.); não é analogia porque a aproximação entre "oração" e "trabalho" não se baseia numa semelhança, e, ipsofacto, não há um termo mais conhecido com o qual se tenta explicar outro menos conhecido; não ocorre tam­pouco nenhum contraste porque não se assinala qualquer oposição de sentido entre os dois termos. O que existe, portanto, é um paralelo ou confronto.



4 -  Citação de exemplos

Para sermos coerentes, deveríamos incluir este caso na ca­tegoria do desenvolvimento por analogia. Entretanto, a explanação por exemplo(s) pode assumir duas feições típicas: uma exclusi­vamente didática, e outra, digamos, literária. Na primeira, a ci­tação de exemplos não constitui, propriamente, o desenvolvimento, mas uma espécie de comprovante ou elucidante. Nesse caso, as­sume uma forma gramatical típica, graças a certas partículas ex­plicativas peculiares (por exemplo, ex. g., v. g.). É, como todos reconhecem, um processo eminentemente didático. Na maioria das vezes, segue-se uma definição denotativa (i.e., didática ou cien­tífica, em oposição à conotativa ou metafórica, que não admite aposição de exemplo), à enunciação de um princípio, regra ou teoria, ou, ainda, a uma simples declaração pessoal. Vejamos um exemplo, didático e muito a propósito:

“Analogia é um fenômeno de ordem psicológica, que consiste na tendência para nivelar palavras ou construções que de certo modo se aproximam pela forma ou pelo sentido, levando uma delas a se modelar pela outra.

Quando uma criança diz fazi e cabeu, conjuga essas formas verbais por outras já conhecidas, como dormi e correu.”

(Rocha Lima, Português no Colégio, l? ano, p. 94)



A definição de analogia restringe-se, como não podia deixar de ser, ao âmbito exclusivamente lingüístico.

No parágrafo abaixo, o Autor desenvolve o tópico f rasal (resignação e sobriedade dos bandeirantes) através de exemplos mais literários do que propriamente didáticos:

“Como as caravanas do deserto africano, a primeira virtude dos bandeirantes é a resignação, que é quase fatalista,' é a sobriedade levada ao extremo. Os que par­tem não sabem se voltam e não pensam mais em voltar aos lares, o que freqüentes vezes sucede. As provisões que levam apenas bastam para o primeiro percurso da jornada; daí por diante, entregues à ventura, tudo é enigmático e desconhecido.”

(João Ribeiro, História do Brasil, p. 225)

 As vezes, a enumeração de exemplos não serve de esclarecer, mas de provar uma declaração, teoria ou opinião pessoal, como ocorre habitualmente nos estudos filológicos, na análise estilística e em todo trabalho de pesquisa de um modo geral:

Todo de antítese é o estilo do padre Antônio Vieira. Eis aqui três exemplos, com as antíteses sublinhadas:

a)      "Com razão comparou o seu evangelho a divina providência de Cristo a um

tesouro escondido no campo. Uma coisa é a que todos vêem na superfície; outra,

a que se oculta no interior da terra, e, onde menos se imaginam as riquezas, ali

estão depositadas. (...);

b)  ;

c)  ;

(José Oiticica, Manual de estilo, p. 111)


5 – Causalidade e motivação

É afirmativa mais que conhecida que cada causa há um efeito e para cada ato há uma conseqüência, mas é imprescindível que se saiba a diferença entre estas sentenças. Vejamos exemplos de desenvolvimento de parágrafo baseados nestas máximas:

5.1 Razões e conseqüências

O desenvolvimento de parágrafo pela apresentação de razões é extremamente comum, porque, não raro, as razões, os motivos, as justificativas em que se assenta a explanação de determinada idéia se disfarçam sob várias formas, nem todas explicitamente introduzidas por partículas explicativas ou causais, confundindo-se muitas vezes com detalhes ou exemplos.

No seguinte trecho, extraído de trabalho de aluno, as razões são indicadas de maneira explícita:

“Tanto do ponto de vista individual quanto social, o trabalho é uma necessidade, não só porque dignifica o homem e o prove do indispensável à sua subsistência, mas também porque lhe evita o enfado e o desvia do vício e do crime.”

A declaração inicial, constituída pela primeira oração (que é o tópico frasal) seria inócua ou gratuita, porque evidentemente óbvia, como verdade reconhecida por todos, se o Autor não a fundamentasse, não a desenvolvesse, apresentando-lhe as razões na série das orações explicativas (ou causais?) seguintes.



5.2 Causa e efeito

Parece ter ficado claro no tópico 5.1 que o desenvolvimento do parágrafo por apresentação de razões e consequências ocorre quando se trata de justificar uma declaração ou opinião pessoal a respeito de atos ou atitudes do homem, e que se deve falar em relação de causa e efeito, quando se procura explicar fatos ou fenômenos, quer das ciências naturais, quer das sociais.

O seguinte parágrafo mostra-nos o que é desenvolvimento por indicação de causa e efeito, partindo deste para aquela:

“Pressões nos líquidos — A pressão exercida sobre um corpo sólido transmite-se desigualmente nas diversas direções por causa da forte coesão que dá ao sólido sua rigidez. Num líquido, a pressão transmite-se em todas as direções, devido à fluidez. Um líquido precisa de apoio lateral do vaso que o contém, porque a pressão do seu peso se exerce em todas as direções. Se um corpo for mergulhado num líquido, experimentará o efeito das pressões recebidas ou exercidas pelo líquido.”

(Irmãos Maristas, Física, v. I, p. 536)

Note-se que as causas estão claramente indicadas por partículas próprias (por causa de, devido a, porque), forma comum, posto que não exclusiva desse processo de explicação ou de demons¬tração. A exposição nesse trecho faz-se a partir do efeito para a causa; no primeiro período, por exemplo, a transmissão desigual da pressão exercida sobre um corpo sólido é o efeito da forte coesão que dá ao sólido a sua rigidez. O período final, por sua vez, é uma inferência ou conclusão, vale dizer, uma generalização, decorrente dos fatos anteriormente indicados.


6 - Divisão e explanação de idéias "em cadeia"

Frequentemente, o Autor, depois de enunciar a idéia-núcleo no tópico frasal, divide-a em duas ou mais partes, discutindo em seguida cada uma de per si, para o que poderá servir-se de alguns dos processos já referidos, principalmente da enumeração de detalhes e exemplos e da definição (ver tópico seguinte), pondo tudo no mesmo parágrafo ou em parágrafos diferentes, se a complexidade e a extensão do assunto o justificarem.

Para nos dar idéia das manifestações concretas da vocação literária, Alceu Amoroso Lima adota o critério da divisão da idéia-núcleo em diferentes partes, definindo-as sucessiva e sucintamente no mesmo parágrafo:

“A vocação literária é sempre concreta. Manifesta-se como tendência, não só à atitude em geral, mas ainda a este ou àquele gênero de atitude. Entre as inúmeras posições possíveis (e neste terreno as classificações chegam às maiores minúcias), há cinco a marcar bem nitidamente inclinações diferentes do gênio criador — o liris¬mo, a epopéia, o drama, a crítica e a sátira. O lirismo é a expressão da própria al¬ma. A epopéia, a representação narrativa da vida. O drama, a representação ativa dela. A crítica, o juízo sobre a criação feita. E a sátira, a caricatura dos caracteres (...)”

(A. A. Lima, Estética literária, p. 99)

No resto do parágrafo (omisso na transcrição), o Autor retoma a mesma idéia-núcleo, dividindo-a, segundo novo critério, em lirismo, epopéia e crítica, e conclui com algumas considerações sobre os gêneros literários.



Amplexos,
Profª Chayana Leocádio
Nihil est magnum somnianti.
[Cícero, De Divinatione 2.141]

Nenhum comentário:

Postar um comentário